Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984)
Os Estados-partes na presente Convenção,
Considerando que , de acordo com os princípios proclamados pela Carta
das Nações Unidas, o reconhecimento dos direitos iguais e inalienáveis
de todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo,
Reconhecendo que esses direitos emanam da dignidade inerente à
pessoa humana,
Considerando a obrigação que incumbe aos Estados, em virtude da
Carta, em particular do artigo 55, de promover o respeito universal e a
observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
Levando em conta o artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e o artigo 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, que determinam que ninguém será sujeito a tortura ou a pena
ou tratamento cruel, desumano ou degradante,
Levando também em conta a Declaração sobre a Proteção de Todas as
Pessoas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, aprovada pela Assembléia Geral em 9 de
dezembro de 1975,
Desejosos de tornar mais eficaz a luta contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes em todo o
mundo,
Acordam o seguinte:
PARTE I
Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa
qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais,
são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de
terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela
ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de Ter cometido; de
intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer
motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais
dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra
pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o
seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as
dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções
legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.
O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer
instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa
conter dispositivos de alcance mais amplo.
Artigo 2º - 1. Cada Estado tomará medidas eficazes de caráter
legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a
prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição.
2. Em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais,
como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou
qualquer outra emergência pública, como justificação para a tortura.
Artigo 3º - 1. Nenhum Estado-parte procederá à expulsão, devolução ou
extradição de uma pessoa para outro Estado, quando houver razões
substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a
tortura.
2. A fim de determinar a existência de tais razões, as autoridades
competentes levarão em conta todas as considerações pertinentes,
inclusive, se for o caso, a existência, no Estado em questão, de um
quadro de violações sistemáticas, graves e maciças de direitos
humanos.
Artigo 4º - 1. Cada Estado-parte assegurará que todos os atos de tortura
sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal. O mesmo
aplicar-se-á à tentativa de tortura e a todo ato de qualquer pessoa que
constitua cumplicidade ou participação na tortura.
2. Cada Estado-parte punirá esses crimes com penas adequadas que
levem em conta a sua gravidade.
Artigo 5º - 1. Cada Estado-parte tomará as medidas necessárias para
estabelecer sua jurisdição sobre os crimes previstos no artigo 4º, nos
seguintes casos:
quando os crimes tenham sido cometidos em qualquer território
sob sua jurisdição ou a bordo de navio ou aeronave registrada no
Estado em questão;
quando o suposto autor for nacional do Estado em questão;
quando a vítima for nacional do Estado em questão e este o
considerar apropriado;
2. Cada Estado-parte tomará também as medidas necessárias para
estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes, nos casos em que o
suposto autor se encontre em qualquer território sob sua jurisdição e o
Estado não o extradite, de acordo com o artigo 8º, para qualquer dos
Estados mencionados no parágrafo 1º do presente artigo.
3. Esta Convenção não exclui qualquer jurisdição criminal exercida de
acordo com o direito interno.
Artigo 6º - 1. Todo Estado-parte em cujo território se encontre uma
pessoa suspeita de Ter cometido qualquer dos crimes mencionados no
artigo 4º, se considerar, após o exame das informações de que dispõe,
que as circunstâncias o justificam, procederá à detenção de tal pessoa
ou tomará outras medidas legais para assegurar sua presença. A
detenção e outras medidas legais serão tomadas de acordo com a lei do
Estado, mas vigorarão apenas pelo tempo necessário ao início do
processo penal ou de extradição.
2. O Estado em questão procederá imediatamente a uma investigação
preliminar dos fatos.
3. Qualquer pessoa detida de acordo com o parágrafo 1º terá
asseguradas facilidades para comunicar-se imediatamente com o
representante mais próximo do Estado de que é nacional ou, se for
apátrida, com o representante de sua residência habitual.
4. Quando o Estado, em virtude deste artigo, houver detido uma pessoa,
notificará imediatamente os Estados mencionados no artigo 5º,
parágrafo 1º, sobre tal detenção e sobre as circunstâncias que a
justificam. O Estado que proceder à investigação preliminar, a que se
refere o parágrafo 2º do presente artigo, comunicará sem demora os
resultados aos Estados antes mencionados e indicará se pretende
exercer sua jurisdição.
Artigo 7º - 1. O Estado-parte no território sob a jurisdição do qual o
suposto autor de qualquer dos crimes mencionados no artigo 4º for
encontrado, se não o extraditar, obrigar-se-á, nos caos contemplados no
artigo 5º, a submeter o caso às suas autoridades competentes para o fim
de ser o mesmo processado.
2. As referidas autoridades tomarão sua decisão de acordo com as
mesmas normas aplicáveis a qualquer crime de natureza grave, conforme
a legislação do referido Estado. Nos casos previstos no parágrafo 2º do
artigo 5º, as regras sobre prova para fins de processo e condenação não
poderão de modo algum ser menos rigorosas do que as que se
aplicarem aos casos previstos no parágrafo 1º do artigo 5º.
3. Qualquer pessoa processada por qualquer dos crimes previstos no
artigo 4º receberá garantias de tratamento justo em todas as fases do
processo.
Artigo 8º - 1. Os crimes que se refere o artigo 4º serão considerados
como extraditáveis em qualquer tratado de extradição existente entre os
Estados partes. Os Estados partes obrigar-se-ão a incluir tais crimes
como extraditáveis em todo tratado de extradição que vierem a concluir
entre si.
2. Se um Estado-parte que condiciona a extradição à existência do
tratado receber um pedido de extradição por parte de outro Estado-parte
com o qual não mantém tratado de extradição, poderá considerar a
presente Convenção como base legal para a extradição com respeito a
tais crimes. A extradição sujeitar-se-á às outras condições estabelecidas
pela lei do Estado que receber a solicitação.
3. Os Estados-partes que não condicionam a extradição à existência de
um tratado reconhecerão, entre si, tais crimes como extraditáveis, dentro
das condições estabelecidas pela lei do Estado que receber a
solicitação.
4. O crime será considerado, para o fim de extradição entre os
Estados-partes, como se tivesse ocorrido não apenas no lugar em que
ocorreu mas também nos territórios dos Estados chamados a
estabelecerem, sua jurisdição de acordo com o parágrafo 1º do artigo 5º.
Artigo 9º - 1. Os Estados-partes prestarão entre si a maior assistência
possível, em relação aos procedimentos criminais instaurados
relativamente a qualquer dos delitos mencionados no artigo 4º, inclusive
no que diz respeito ao fornecimento de todos os elementos de prova
necessários para o processo que estejam em seu poder.
2. Os Estados-partes cumprirão as obrigações decorrentes do parágrafo
1º do presente artigo, conforme quaisquer tratados de assistência
judiciária recíproca existentes entre si.
Artigo 10 – 1. Cada Estado-parte assegurará que o ensino e a
informação sobre a proibição da tortura sejam plenamente incorporados
no treinamento do pessoal civil ou militar encarregado da aplicação da
lei, do pessoal médico, dos funcionários públicos e de quaisquer outras
pessoas que possam participar da custódia, interrogatório ou tratamento
de qualquer pessoa submetida a qualquer forma de prisão, detenção ou
reclusão.
2. Cada Estado-parte incluirá a referida proibição nas normas ou
instruções relativas aos deveres e funções de tais pessoas.
Artigo 11 – Cada Estado-parte manterá sistematicamente sob exame as
normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório, bem como as
disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas submetidas,
em qualquer território sob a sua jurisdição, a qualquer forma de prisão,
detenção ou reclusão, com vistas a evitar qualquer caso de tortura.
Artigo 12 – Cada Estado-parte assegurará que suas autoridades
competentes procederão imediatamente a uma investigação imparcial,
sempre que houver motivos razoáveis para crer que um ato de tortura
sido cometido em qualquer território sob sua jurisdição.
Artigo 13 – Cada Estado-parte assegurará, a qualquer pessoa que
alegue ter sido submetida a tortura em qualquer território sob sua
jurisdição, o direito de apresentar queixa perante as autoridades
competentes do referido Estado, que procederão imediatamente e com
imparcialidade ao exame do seu caso. Serão tomadas medidas para
assegurar a proteção dos queixosos e das testemunhas contra qualquer
mau tratamento ou intimidação, em conseqüência da queixa apresentada
ou do depoimento prestado.
Artigo 14 – 1. Cada Estado-parte assegurará em seu sistema jurídico, à
vítima de um ato de tortura, o direito à reparação e a à indenização justa
e adequada, incluídos os meios necessários para a mais completa
reabilitação possível. Em caso de morte da vítima como resultado de um
ato de tortura, seus dependentes terão direito a indenização.
2. O disposto no presente artigo não afetará qualquer direito a
indenização que a vítima ou outra pessoa possam ter em decorrência
das leis nacionais.
Artigo 15 – Cada Estado-parte assegurará que nenhuma declaração que
se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser
invocada como prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa
acusada de tortura como prova de que a declaração foi prestada.
Artigo 16 – 1. Cada Estado-parte se comprometerá a proibir, em
qualquer território sob a sua jurisdição, outros atos que constituam
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não
constituam tortura tal como definida no artigo 1º, quando tais atos forem
cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de
funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou
aquiescência. Aplicar-se-ão, em particular, as obrigações mencionadas
nos artigos 10, 11, 12 e 13, com a substituição das referências a outras
formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
2. Os dispositivos da presente Convenção não serão interpretados de
maneira a restringir os dispositivos de qualquer outro instrumento
internacional ou lei nacional que proíba os tratamentos ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes ou que se refira à extradição ou expulsão.